A transformação de Gregor!

A transformação de Gregor!

Ao longo da minha experiência profissional, deparei-me várias vezes com situações que, quase automaticamente, fizeram-me lembrar de “A Metamorfose” de Franz Kafka — e, mais especificamente, de Gregor Samsa — apesar da natureza absurda e surrealista, mas estranhamente próxima da realidade organizacional.

No célebre e intemporal conto, Gregor transforma-se subitamente num inseto. Antes da transformação, era o pilar económico da família: trabalhava arduamente com o objetivo de sustentar toda a sua família — mas fazia-o em silêncio, sem visibilidade ou protagonismo. Gregor era dado como garantido.

A transformação física de Gregor é apenas o ponto de partida — a verdadeira metamorfose ocorre na sua família e nas suas dinâmicas. Os pais e irmã eram agora obrigados a trabalhar e a reorganizar-se. Esta lógica também está presente em contexto organizacional. E mais vezes do que se admite.

“A Metamorfose” é uma obra aparentemente simples, mas profundamente complexa, multifacetada – aberta a múltiplas interpretações, conforme a lente de análise aplicada. Neste texto, procuro utilizá-la como metáfora para um fenómeno que se pensarmos bem, somos capazes de o reconhecer: o da invisibilidade do talento com impacto elevado, mas baixa visibilidade interna.

Nas organizações, há muitos “Gregors”: colaboradores estáveis, tecnicamente sólidos, que asseguram continuidade, fluidez operacional e conhecimento crítico — mas que por vezes não aparecem nos planos de desenvolvimento, sucessão ou como high flyers. Estes perfis são frequentemente esquecidos — ou simplesmente tidos como garantidos, precisamente por não exigirem atenção. Mas a sua ausência pode deixar um vazio sistémico.

As organizações afirmam valorizar competência, fiabilidade e contribuição. Mas na prática, é muitas vezes a visibilidade que determina o reconhecimento e a progressão. Ou seja, o reconhecimento organizacional é condicionado por estruturas informais de poder, capital social e capacidade de “aparecer”. O resultado é um viés: talento visível é confundido com talento estratégico. Este enviesamento não é intencional, mas é estrutural. E, como qualquer viés sistémico, tem consequências: desperdício de potencial, desmotivação latente e saída de perfis consistentes.

Byung-Chul Han (2015), emA Sociedade do Cansaço”, descreve a pressão contemporânea para a exposição constante como uma forma de violência simbólica: o que não é visível, não é validado. Esta lógica performativa perpetua a invisibilidade de colaboradores com enorme valor real, mas com baixa teatralidade — perfis mais introspetivos e muito menos expansivos.

Os efeitos colaterais deste fenómeno são reais — e silenciosos e o seu impacto maior do que se pensa. A título de exemplo:

  1. Desmotivação;
  2. Deterioração no sentido de pertença e compromisso;
  3. Burnout: acumulação de tarefas invisíveis que leva à exaustão não reconhecida;
  4. Saída inesperada e perda de potencial humano;
  5. Perda de diversidade cognitiva: a uniformização dos perfis reconhecidos leva à homogeneização das decisões;
  6. Custos com a substituição deste tipo de colaboradores (Processos de R&S e/ou Planos de sucessão, aumento dos custos salariais com entrada de novas pessoas)

Rob Cross e Karen Dillon (2021), na Harvard Business Review, mostraram como colaboradores com redes de confiança e tarefas não visíveis acumulam peso desproporcional no sistema — e, quando saem, a organização entra em desequilíbrio.

 

(Re)conhecer antes da metamorfose

Nassim Taleb, no seu livro oCisne Negro”questiona “Quem tem mais valor? O político que evita uma guerra ou aquele que inicia uma nova guerra (e tem a sorte de a ganhar)?” A lógica é paralela: é difícil valorizar o que foi evitado — porque o custo da ausência, tal como o de Gregor, raramente é visível a tempo.

Como mencionei no início do artigo, na Header, já acompanhámos diversas situações que me lembraram de Gregor Samsa, seja em projetos que tivemos que trabalhar a jusante, nomeadamente através de processos de Executive Search (processos de substituição – por vezes duas pessoas para substituir uma, candidatos que integrámos nos nossos processos que foram auferir substancialmente mais), seja a trabalhar a montante através de processos de Talent Consulting (Assessements individuais ou de equipa, mentoring, executive coaching, planos de sucessão, planos de desenvolvimento). É nesta última componente que podemos e devemos trabalhar para mitigar este tipo de situações. O talento invisível não se manifesta por ausência de valor, mas por ausência de foco organizacional.

Reconhecer este tipo de talento exige uma abordagem sistémica e multidimensional:

  • Diagnóstico organizacional (Mapeamento das interações, pedidos de ajuda, dependências operacionais e fluxos de conhecimento; Identificação de hubs críticos não visíveis nos organogramas; Avaliação da sobrecarga relacional e riscos de concentração;)
  • Avaliação e reconhecimento (Redesenho dos critérios de avaliação de desempenho; estimular o feedback 360º para identificar o impacto percebido; analisar de que forma (mesmo que inconsciente) estamos a criar vieses de avaliação (ex. extroversão vs introversão);
  • Desenvolvimento (Programas de Executive Coaching; Programas de Mentoring e sponsorship interno para acelerar o reconhecimento; Programas de visibilidade estratégica ajustados ao perfil; Programas de identificação de talento interno; Programas de Plano de desenvolvimento Individual;)
  • Capacitação da Liderança (Formação de líderes para reconhecer e valorizar contributos menos visíveis, bem como a estarem atentos a eventuais enviesamentos e heurísticas; Formação dos líderes para terem competências de promoção e desenvolvimento das competências das suas equipas;)

Nas organizações, muitas vezes, a metamorfose é silenciosa. O verdadeiro desafio das organizações não está apenas em atrair talento — mas em saber ver o que já existe, ainda que não se mostre.

Reconhecer este talento é um sinal de maturidade organizacional e visão estratégica.

Tornar o invisível visível não é apenas uma questão de justiça — é uma vantagem competitiva, estratégica e sustentável. E é este o compromisso da Header!

Por Fábio Daniel Andrade, Consulting Manager da Header