Intuição vs. Dados: Como Tomamos Decisões em Liderança e Recrutamento?
Sentada à mesa de almoço com a equipa, dei por mim a ouvir uma conversa entre dois colegas. Discutiam os méritos da racionalidade vs. intuição na tomada de decisão. No caso, saltitavam entre resultados de reuniões comerciais realizadas e decisões a que assistiram sobre recrutamento, mas o princípio mantinha-se: as pessoas decidem com base em factos ou por “gut feeling”? Como reagir a ambas as possibilidades?
Fiquei a pensar no tema. Intuitivamente, diria que a maioria das pessoas tenta decidir com base em factos (pun intended). Afinal, durante anos ensinaram-nos que boas decisões nascem da análise meticulosa de dados , de dashboards impecavelmente coloridos e de metodologias com nomes em inglês que fazem soar qualquer informação mais “importante”. A razão tornou-se a estrela do espetáculo corporativo, enquanto a intuição assumiu uma certa aura de misticismo ou, pior ainda, de irresponsabilidade.
Afinal, o que é a intuição?
Do ponto de vista científico, a intuição não é magia, mas sim processamento inconsciente de informação. O nosso cérebro, ao longo da vida, armazena padrões, experiências e aprendizagens numa base de dados implícita. Quando confrontados com uma nova situação, ele cruza, a uma velocidade vertiginosa, estes sinais subtis e experiências prévias para nos oferecer uma resposta imediata, resultante de atalhos mentais (heurísticas) que facilitam o processo de formar e decisões. Daniel Kahneman, Nobel da Economia, chamou-lhe “Sistema 1”: rápido e instintivo, complementar ao “Sistema 2“, que é mais lento, deliberativo e exige esforço percebido no raciocínio subjacente à toma de decisão.
A “má-fama” da intuição
O desprezo pela intuição é, muitas vezes, uma reação ao medo de errar. É mais confortável justificar uma decisão com dados do que com um “senti que era o caminho certo”. Mas porque é que isso acontece?
Porque, como quase todos os comportamentos humanos, a intuição não traz apenas vantagens. Sem consciência crítica, ela pode ser facilmente sequestrada pelos nossos vieses cognitivos. Esses atalhos mentais que o cérebro usa para poupar energia, mas que frequentemente nos empurram para julgamentos apressados e até discriminações disfarçadas. O famoso “algo me diz que esta pessoa não encaixa” pode, na verdade, ser apenas um reflexo inconsciente de afinidade cultural, de enviesamento de género, idade ou etnia e não uma perceção genuína da adequação ao papel ou ao contexto.
Estudos de psicologia social e da neurociência têm demonstrado que o cérebro humano tende a favorecer o semelhante e a desconfiar do que é diferente. O chamado viés de confirmação, o efeito halo ou o viés implícito são enviesamentos reconhecidos e confirmados, com elevado impacto nas decisões tomadas. O perigo surge quando confundimos estes atalhos mentais com sabedoria intuitiva.
Então como separar a intuição do preconceito disfarçado?
A resposta está na metacognição, ou seja, na capacidade de pensar sobre o que pensamos. É por isso que devemos praticar um tipo de diálogo interior crítico: “Este feeling vem de onde? Baseia-se em quê? Que experiências, padrões ou crenças podem estar a contaminar esta perceção?”.
Mais do que isso, é essencial expor a intuição ao contraditório. Rodear-se de quem pense diferente, fomentar o debate e integrar dados objetivos como contraponto à perceção subjetiva são práticas que funcionam como checkpoints para validar ou questionar a intuição.
A intuição como radar estratégico
Parte da resistência à intuição vem da ilusão de controlo que a racionalidade nos oferece. Num ambiente empresarial onde se valoriza o previsível, o auditável e o replicável, confiar numa perceção “instintiva” soa, para muitos, a risco desnecessário. No entanto, estudos neurocientíficos têm vindo a desmistificar essa visão, demonstrando que emoções e intuições são componentes essenciais da tomada de decisão eficaz. O cérebro humano não toma decisões apenas com base em lógica pura, ele precisa de contexto emocional e memória implícita. Ignorar a intuição é, portanto, amputar uma parte vital do nosso sistema de discernimento O problema não está na intuição em si, mas na forma como a interpretamos e usamos, sem consciência, ela pode ser enviesada; com treino e reflexão, transforma-se numa vantagem competitiva relevante nos dias que correm.
Como tão brilhantemente resumiu António Damásio: “A razão pode não ser tão pura como se pensa. Está impregnada de emoção.” Num mundo obcecado por métricas e algoritmos, há algo profundamente humano em confiar na intuição como ferramenta de gestão.
Por Rita Duarte, CEO da Header